Saúde • 11:11h • 07 de outubro de 2025
Depressão sob nova lente: estudos da USP relacionam doença à inflamação do cérebro
Pesquisadores da Universidade de São Paulo investigam como processos inflamatórios no sistema nervoso podem influenciar o surgimento e a persistência da depressão
Jornalista: Carolina Javera MTb 37.921 com informações de Agência SP | Foto: Arquivo Âncora1
O transtorno depressivo maior, também conhecido como depressão clínica, afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença resulta de uma combinação complexa de fatores genéticos, biológicos, psicológicos e sociais. Nos últimos anos, porém, cientistas têm voltado a atenção para um novo componente nesse quadro: a neuroinflamação.
Pesquisas apontam que a desregulação de citocinas, proteínas responsáveis pela comunicação entre as células do sistema imunológico, pode contribuir para o desenvolvimento e a manutenção dos sintomas depressivos. Além disso, os antidepressivos parecem atuar não apenas sobre os neurotransmissores, mas também sobre o sistema imunológico, ajudando a reduzir marcadores inflamatórios.
Uma revisão conduzida por pesquisadores da USP busca compreender melhor essa relação e explorar novas abordagens terapêuticas. Segundo a farmacêutica Roseane Nava, doutoranda do Programa Interunidades de Bioinformática da universidade, ainda existe uma lacuna entre os achados da neurociência e a prática psiquiátrica. “A ciência ainda não entende totalmente como os sintomas psicossociais se conectam à parte neurológica, onde os antidepressivos agem”, explica.
Para Otávio Cabral Marques, professor da Faculdade de Medicina da USP e líder do Laboratório de Psiconeuroimunologia (Selye Lab), a compreensão da depressão exige uma visão mais ampla. “O sistema nervoso faz parte de uma tríade com os sistemas imunológico e endócrino. Precisamos romper as barreiras entre as áreas do conhecimento para entender o organismo como um todo”, afirma.
A neuroinflamação e seus efeitos
A neuroinflamação surge como uma resposta adaptativa ao estresse. Quando o corpo é submetido a situações de tensão constante, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal libera cortisol, hormônio que regula a inflamação. Porém, em casos de inflamação crônica, o organismo desenvolve resistência a esse hormônio, comprometendo regiões cerebrais ligadas ao humor e reduzindo neurotransmissores como a serotonina.
“Quando isso acontece, o equilíbrio se perde e surgem sintomas como apatia e desânimo”, explica Roseane Nava. Ela lembra ainda que os antidepressivos tricíclicos, usados no tratamento de dores e distúrbios psiquiátricos, também atuam sobre o sistema imunológico.
A comunicação entre o sistema nervoso e o sistema imune é bidirecional: células imunes respondem a neurotransmissores, e o cérebro, por sua vez, possui receptores para citocinas. Isso ajuda a explicar por que pacientes com doenças autoimunes, como hepatite, têm maior incidência de depressão.
Novas terapias e abordagens complementares
Entre as terapias emergentes, pesquisadores destacam o uso de interleucina-2 (IL-2) em baixas doses, já empregada no tratamento de lúpus, e a estimulação do nervo vago, técnica que utiliza impulsos elétricos para regular a atividade cerebral.
Além dos medicamentos, intervenções não farmacológicas também têm papel fundamental. A prática regular de atividade física estimula citocinas anti-inflamatórias, enquanto uma alimentação equilibrada auxilia no bom funcionamento do eixo intestino-cérebro. “O intestino é o nosso segundo cérebro. Cuidar da microbiota intestinal pode reduzir a inflamação e aliviar sintomas depressivos”, explica Roseane Nava.
Caminho para diagnósticos mais precisos
Os pesquisadores da USP também trabalham na busca por biomarcadores que ajudem a diagnosticar e personalizar o tratamento da depressão. “Certos genes podem predispor pacientes à resistência a determinados medicamentos. Mapear as citocinas inflamatórias pode ajudar a prever respostas aos tratamentos”, afirma Roseane.
Otávio Marques reforça que compreender a base biológica da depressão pode ajudar a combater o estigma em torno da doença. “A mente interage com o corpo. Alterações moleculares são evidências concretas de que o paciente precisa de cuidado e, muitas vezes, de afastamento das atividades”, diz.
Para o grupo, a depressão deve ser entendida não apenas como um distúrbio emocional, mas como uma condição sistêmica, que envolve corpo, mente e ambiente. “O tratamento precisa olhar o ser humano de forma integral — e o afeto continua sendo uma das ferramentas terapêuticas mais poderosas”, conclui o professor.
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