Responsabilidade Social • 15:39h • 04 de julho de 2025
Pesquisa alerta que analgésicos comuns podem afetar base da cadeia alimentar marinha
Efeito de diclofenaco, ibuprofeno e paracetamol reduz a biodiversidade fitoplanctônica ao alterar a dinâmica da espécie
Jornalista: Carolina Javera MTb 37.921 com informações do CFF | Foto: CFF

O chamado fitoplâncton, algas microscópicas base da cadeia alimentar aquática, encontra-se ameaçado pela presença de analgésicos na água, segundo um estudo do Instituto de Biociências (IB) da USP em parceria com a Universidade Ahmadu Bello, na Nigéria. A pesquisa, que investigou especificamente o efeito combinado de diclofenaco, ibuprofeno e paracetamol na estrutura fitoplanctônica, constatou uma diminuição na biodiversidade de comunidades que operam sob estresse induzido por drogas.
O artigo indica que esses medicamentos afetam a fisiologia e a dinâmica populacional do fitoplâncton, mesmo em níveis baixos de concentração. Chances de extinção local também foram observadas em espécies de menor capacidade adaptativa, como os Actinastrum – gênero de algas verdes de água doce.
A descoberta traz preocupações quanto ao bem-estar da vida marinha, que depende desses organismos para transferência de nutrientes entre diferentes níveis tróficos (posição que um organismo ocupa em uma cadeia ou teia alimentar).
E os danos não param aí. Em entrevista ao Jornal da USP, Mathias Ahii Chia alerta que os resultados são relevantes para a vida na Terra. O professor associado do Departamento de Ecologia do IB é um dos autores do estudo e explica que o fitoplâncton é responsável pela produção de metade do oxigênio da Terra e por absorver carbono da atmosfera. Sem ele, a existência humana estaria ameaçada. “Sem esses organismos, não existe produção primária, não existem ecossistemas e não tem oxigênio suficiente para respirar”, expressa.
Mas como esses analgésicos chegam à água?
Quando consumimos um medicamento, parte de seu princípio ativo é utilizado para efeito terapêutico; outra, é eliminada pela urina ou pelas fezes. A partir daí, caso o domicílio esteja conectado à rede de esgoto, os compostos não absorvidos passam por uma estação de tratamento, onde podem ser parcialmente anulados. Caso contrário, eles serão despejados no meio ambiente.
A isso, agrega-se o número de pessoas que utilizam diferentes analgésicos, o que implica o aumento do volume e variedade no ambiente. O uso de antibióticos em atividades ligadas à agricultura, criação de animais e indústrias é outro fator que deve ser levado em consideração na contaminação aquática.
Por esses motivos, Chia considerou indispensável a pesquisa investigar o efeito de vários fármacos, ao invés de analisar somente um — como é comumente feito. Só assim ele poderia entender as condições exatas a que o fitoplâncton está submetido. “A maioria dos trabalhos testa um medicamento por vez. Mas isso não é sempre correto, porque existe uma combinação deles no ambiente”, esclarece o professor.
Ramatu Idris Sha’aba, pesquisadora da Universidade Ahmadu Bello e primeira autora do artigo, destaca que a escolha específica por diclofenaco, ibuprofeno e paracetamol foi motivada pelo uso vasto desses produtos. Em entrevista ao Jornal da USP, ela explica que esses medicamentos persistem no ecossistema, já que “são quimicamente estáveis, apresentam alta resistência à biodegradação e são frequentemente detectados em águas superficiais devido à remoção incompleta durante o tratamento [de esgoto]”, agravando a situação.
Ao final do estudo, os cientistas constataram o efeito negativo desses medicamentos no fitoplâncton, que teve sua biodiversidade diminuída e estrutura alterada pelo estresse oxidativo — um desequilíbrio entre a produção de oxigênio e a capacidade antioxidante da célula, que danifica moléculas importantes.
Mesocosmos em ação
Os experimentos foram conduzidos com as comunidades de fitoplâncton do norte da Nigéria, em Zaria. Para replicar as condições naturais do ambiente aquático, no entanto, o grupo de especialistas preferiu dispensar o uso do laboratório. Eles mobilizaram o que a ciência chama de mesocosmos — um sistema externo que simula as dinâmicas complexas de um ecossistema de maneira controlada.
Ramatu conta que, para fazer isso, 24 mesocosmos externos foram instalados em um lago de fonte na universidade. “Pegamos a população natural dos corpos d’água e os colocamos em frascos feitos com cestas plásticas forradas de sacos de polietileno e equipados com flutuadores. Cada um foi preenchido com aproximadamente 4 litros de água coletada diretamente de um lago de oxidação de esgoto local”, afirma.
Depois foram feitos cálculos para saber qual seria a quantidade de medicamento ideal para a combinação. No total, a observação durou 28 dias. A decisão a favor dos mesocosmos foi a forma de certificar que o ambiente não alteraria a temperatura, variação de nutrientes e a composição dos fármacos, o que poderia ser o caso no laboratório.
O trabalho buscou entender se houve variações em compostos principais (como proteínas, carboidratos e lipídeos), mudanças nas atividades enzimáticas ou estresse adaptativo. Com base nos resultados, o observado foi uma diversidade nas reações de fitoplânctons. “Cada espécie tem sensibilidades diferentes. Tem aquelas que conseguem tolerar a presença até certos níveis e tem as que desaparecem [são extintas]”, explica Mathias Chia.
Porém, apesar do estudo ter constatado danos na estrutura do fitoplanctôn, o que é atingido permanece uma incógnita. “Por enquanto sabemos que afeta a produção dos pigmentos, mas não entendemos o porquê”, diz ele. Esse será o tema de futuros artigos a serem desenvolvidos pelos pesquisadores.
O fenômeno é uma lembrança de que, como bioindicadores ambientais, a ausência desses organismos é um indício de que há algo de errado naquele ecossistema. E o professor complementa: independente do nível de analgésicos na água, o fitoplâncton ainda experiencia repercussões, uma vez que é sensível às alterações ambientais.
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