Responsabilidade Social • 16:16h • 26 de maio de 2025
Sharenting: os impactos emocionais de transformar a infância em conteúdo digital
Com 83% das crianças e adolescentes brasileiros presentes nas redes, psicanalista alerta para os riscos emocionais da exposição digital promovida pelos próprios responsáveis
Jornalista: Luis Potenza MTb 37.357 | Com informações da Baronesa RP | Foto: Divulgação

Antes mesmo de aprender a escrever o próprio nome, muitas crianças já possuem uma extensa galeria de fotos e vídeos publicados na internet e, em alguns casos, ainda na barriga, com imagens de ultrassom emolduradas digitalmente. Esse fenômeno, que parece inofensivo e até amoroso, tem nome: sharenting, o hábito dos responsáveis de compartilhar constantemente a rotina dos filhos nas redes sociais.
O alerta vem da psicanalista Camila Camaratta, que chama atenção para os efeitos desse comportamento no desenvolvimento emocional das crianças. “Quando a criança se vê transformada em imagem antes mesmo de se constituir como sujeito, ela passa a ser olhada pelo mundo antes de saber quem é. Isso impacta diretamente sua autoestima, sua identidade e sua relação com o próprio corpo”, explica.
Os números reforçam essa preocupação. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, do Cetic.br, revela que 83% das crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos têm perfil nas redes sociais, sendo que 70% acessam essas plataformas diariamente. Entre os jovens de 15 a 17 anos, 91% usam WhatsApp todos os dias, e 80% acessam o Instagram na mesma frequência. A infância, hoje, é vivida não apenas no mundo físico, mas em um ambiente digital que molda percepções, afetos e subjetividades.
Do ponto de vista psicanalítico, esse excesso de exposição compromete o desenvolvimento de um espaço interno seguro e protegido, algo essencial na formação emocional. “O sujeito em construção precisa de um ambiente continente, de silêncio, de invisibilidade, onde possa brincar, experimentar, se frustrar e errar sem ser julgado. Sem ser conteúdo”, destaca Camila, apoiando-se nas teorias de Donald Winnicott e Françoise Dolto.
As consequências são concretas. Dados da pesquisa PeNSE apontam que 13,2% dos adolescentes brasileiros sofreram cyberbullying, com índices maiores entre meninas. No Instagram, 42% relatam ter sido alvo de bullying, e no TikTok, 64% já enfrentaram algum tipo de abuso. Isso se soma ao fenômeno conhecido como brainrot, um esgotamento mental causado pela exposição constante e desordenada a estímulos digitais, que gera fadiga, ansiedade e perda de referência interna.
O problema, segundo Camila, não se limita àquilo que os pais publicam. Envolve também aquilo que as crianças e adolescentes consomem diariamente — vídeos, comentários, desafios — que atravessam silenciosamente sua formação psíquica. “O excesso de estímulo digital não deixa espaço para a criança se ouvir. Ela perde a conexão com seu mundo interno e passa a viver em função do olhar do outro, da validação externa, do que dizem sobre ela.”
Essa dinâmica se agrava na adolescência, quando a busca por pertencimento e aceitação se intensifica. Jovens que cresceram habituados a serem constantemente expostos, muitas vezes replicam esse padrão, compartilhando intimidades sem ter clareza dos riscos. É nesse contexto que surgem episódios de vazamento de nudes, exposição de conversas e conteúdos que podem gerar danos emocionais profundos e até consequências legais.
Para a psicanalista, a mudança precisa começar pela pergunta que os adultos se fazem. “Em vez de perguntar ‘posso postar?’, deveríamos nos perguntar ‘por que eu preciso postar isso?’”, provoca Camila. A proteção da infância nas redes não significa apagá-la do mundo digital, mas garantir que ela exista, primeiro, como sujeito, e não como imagem.
Proteger a infância é dar tempo. É permitir que ela se desenvolva fora dos holofotes, com direito ao erro, à imperfeição, ao silêncio e à invisibilidade — elementos fundamentais para a construção de uma subjetividade saudável.
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